Por estes dias, as filas intermináveis para as grandes superfícies comerciais não enganam: o espírito de Natal está ao rubro e pode atentar – se deixarmos – contra a nossa saúde financeira, física e mental.
Nas lojas de roupa, há verdadeiras lutas campais por aquele vestido de algodão versão low-cost do que a Carolina Patrocínio vestiu na gala. A quantidade de roupa que jaz no chão anuncia a morte do bom senso. O stock das meias e a paciência das funcionárias já estão a zero.
Embrulham-se iPhones, anéis, cachecóis, gorros, Barbies, legos, pantufas e chocolates. Acelera-se o passo, torra-se o crédito do cartão, dizemos que nunca mais. As pilhas de bolo-rei desafiam a gravidade e as pessoas desafiam a paciência umas das outras, manobrando carrinhos em modo Fittipaldi.
O último livro do jornalista-autor José Rodrigues dos Santos tem saído que nem pãezinhos quentes, garante o livreiro (que confessa, entre dentes, que é também um dos mais devolvidos em janeiro). Na fila ao meu lado, a senhora de meia-idade pede um livro que tenha uma capa que fique bonita na estante, que é para oferecer ao Senhor Doutor.
Acelera-se o passo, reclama-se das filas, dos preços, da hora. Já não há Ferreiro Rocher. As superfícies comerciais são organismos vivos que deglutem, sem piedade, a fé que ainda temos na humanidade.
O Natal é isto, mas é, acima de tudo, o lugar das nossas memórias felizes. O lugar onde ainda arde, orgulhosa, a lareira do avô, embalando o sono do tio Aurélio que, encostado no sofá, digere, com o apoio de Morfeu, quase meio pão de ló empurrado por três cálices de Porto. A mesa farta, o pai feliz, um licor e mais uma anedota. O cheiro da aletria e as gargalhadas da minha mãe a dançarem no ar. O Natal é a Missa do Galo, os rostos relaxados e felizes por nos sabermos vivos. As crianças sem sono, à espera do Pai Natal, o sorriso terno da avó, enquanto trinca mais uma noz com os poucos dentes que ainda tem. O gato aninhado no colo, a Luisinha a cantar Gingle Bells e o Zé a montar o puzzle. As janelas dos vizinhos iluminadas e nós a esticarmos a noite, desfiando histórias e recordações. Natal é saber que, pelo menos esta noite, estamos todos juntos e isso basta.
Neste Natal, esqueça o telemóvel, a inflação, o preço do petróleo e o spread. Esqueça o trabalho, as discussões com o patrão, o trânsito e o relógio. Crie muitas memórias e seja feliz.
Até breve!
Gustavo Sousa